domingo, 14 de outubro de 2012

Como funciona o cérebro dos jovens.

Quem tem adolescentes em casa ou convive com algum diariamente cede, muitas vezes, ao impulso de chamar esse período da vida de “aborrescência”. 
 
De fato, o adolescente passa por muitas mudanças rápidas e, com elas, vê a necessidade de autoafirmação e a busca por se diferenciar dos pais, identificando-se mais com os amigos do que com os familiares. 
 
Não poderia ser diferente, por motivos que incluem também uma questão de identificação, já que nem mesmo o período que compreende a adolescência é um consenso entre organizações que atuam na área.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Ministério da Saúde (MS) identificam a adolescência como o período entre os 10 e 20 anos de idade. Já o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) delimita essa fase entre os 12 e os 18 anos. 
 
Considerando-se um meio termo, há cerca de 34 milhões de brasileiros com idade entre 10 e 19 anos, aproximadamente 18% da população, de acordo com o censo realizado em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 
 
Um número significativo de pessoas que precisam, e merecem, ser vistas com olhos mais compreensivos do ponto de vista da saúde, como vem mostrando desde terça-feira o Estado de Minas, na série sobre o desenvolvimento infantojuvenil.

Nessa fase, a escola desempenha um papel fundamental na vida do adolescente, estimulando a convivência e o respeito à diversidade, ajudando na aquisição de habilidades, na formação de valores e na construção de projetos de vida. 
 
Alguns momentos críticos da adolescência envolvem mudanças nos mecanismos de ensino e aprendizagem, como a passagem do quinto para o sexto ano do ensino fundamental – quando se perde o vínculo com a professora única e aparecem mais matérias, provas e trabalhos – e do ensino fundamental para o ensino médio, quando aumentam as cobranças sobre os alunos e começa-se a criar a expectativa de uma escolha profissional.

Soma-se a isso o fato de descobertas recentes mostrarem que o cérebro do adolescente passa por diversas transformações. 
 
A neurocientista Suzana Herculano-Houzel, professora e pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explica que pesquisas feitas há menos de uma década indicavam que os três primeiros anos de vida seriam os únicos determinantes no desenvolvimento do cérebro. “Isso se deve ao fato de ser o período em que o órgão cresce e depois disso não há modificação no tamanho total. Em outras palavras, o indivíduo termina a infância com o cérebro do mesmo tamanho que terá na fase adulta.”

Com isso, é fácil inferir que o desenvolvimento termina aí e que as questões típicas da adolescência são “problemas de hormônios”. Para Suzana, essa lenda traz embutida a ideia de que nessa fase da vida é tarde demais para interferir no comportamento ou na educação, quando na realidade o cérebro ainda é extremamente maleável e esse pode ser um período para receber influências positivas.

O adolescente não deve ser tratado como adulto. O comportamento nessa faixa etária é muito característico e estudos longitudinais (em que os pesquisados são acompanhados ao longo dos anos) mais recentes mostram que isso está relacionado à diferente evolução de cada parte do cérebro. “Ainda que não haja aumento de tamanho do órgão na adolescência, a substância branca – que é o conjunto de axônios responsável pela transmissão das informações – aumenta. 
 
Para isso, já que o cérebro não cresce, alguma outra parte do órgão tem que diminuir. Trata-se da substância cinzenta (composta por corpos celulares de neurônios), e isso é feito por meio de uma limpeza sináptica”, esclarece.

Perder sinapses (responsáveis por transmitir informações no cérebro) parece algo ruim, mas é necessário. 
 
No primeiro ano de vida, uma criança tem mais sinapses que os adultos, porque o cérebro ainda não sabe o que “vai ser” e elas oferecem matéria-prima para essa descoberta. “Depois desse período de lapidação, a limpeza é importante para filtrar o que funciona e o que não. 
 
A avalanche de sinapses, então, é substituída pelas sinapses certas. A força da repetição das sinapses certas enfraquece as erradas, por meio de mudanças moleculares que fazem esses neurônios menos influentes”, esclarece a neurocientista.

Transformações

Dessa forma, fica claro que o adolescente não vira adulto de uma vez só e que cada parte do cérebro amadurece em uma época diferente. 
 
As características que definem o adolescente casam com os diferentes períodos de mudanças das várias partes do cérebro, ou seja, respeitam uma ordem de transformações definidas por esse refinamento das sinapses. Então, uma coisa é a capacitação do corpo, outra é a do cérebro. 
 
O adolescente tem que passar por uma modificação, que é a nova imagem do corpo registrada pelo cérebro. 
 
O descompasso do crescimento e da modificação das conexões cerebrais causa aquela fase de “monstrinho”, desengonçada. 
 
O cérebro, porém, consegue correr atrás e se atualizar. “O uso que o adolescente faz do seu corpo nessa fase, como a prática de esportes e até a descoberta no espelho, é fundamental para guiar a adaptação”, acrescenta Suzana.

Amadurecimento e habilidades cognitivas

Uma das maiores mudanças na adolescência diz respeito ao sistema de recompensa e motivação. O sistema antigo, válido na infância, perde de 30% a 50% de sua sensibilidade aos 12 ou 13 anos. 
 
Tudo o que antes dava prazer deixa de funcionar. A partir disso, vêm as alterações de humor, o tédio, a busca por novidades, os comportamentos de risco, a impaciência e a propensão e vulnerabilidade às drogas. “O acerto é igual a prazer e a antecipação do acerto é uma motivação. 
 
Ativam esse sistema fatores como ganhar dinheiro ou um elogio (recompensa externa), jogar videogame (tentativa e erro), ver um rosto bonito e outras formas de beleza, novidades, sexo, carinho, riscos, desafios”, diz Suzana Houzel.

Os amigos ganham mais importância que os pais, que fazem parte de um mundo antigo. Nesse amadurecimento, o adolescente abandona prazeres infantis e passa a explorar novos ambientes, parceiros, regras sociais e interesses. 
 
“Eles querem entender as regras, saber se têm que seguir algo porque faz sentido ou simplesmente porque os pais querem assim.” 
 
Somente por volta dos 15 anos, o córtex pré-frontal amadurece, o que traz novas habilidades cognitivas e o controle de impulsos. “Antes disso, é difícil para ele se controlar. 
 
Depois, o adolescente passa por um período intenso de aprendizado de interação social, de se colocar no lugar do outro e entender o valor do arrependimento.” 
 
Ou seja, pais: fiquem tranquilos, porque a “aborrescência” não só vai passar como também é extremamente necessária. 


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